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quarta-feira, 4 de agosto de 2010
EPROINFO - UNIDADE 7 - A gramática do PowerPoint
Dicas para criar apresentações com a ferramenta que está moldando a linguagem de executivos e acadêmicos Edgard Murano
O popular PowerPoint - programa de computador utilizado para criar apresentações que resumem palavras, imagens e sons em slides ["lâminas", em inglês] - já virou parte não só do imaginário de empresas como também conquistou espaço em universidades e escolas. O aplicativo pertence a um popular pacote de ferramentas virtuais, atualmente usado por mais de 500 milhões de pessoas no mundo todo, segundo dados de sua criadora Microsoft, sendo que metade da população adulta norte-americana faz uso dele frequentemente.
Bem antes do avanço da informática, apresentações por meio de transparências e slides fotográficos já eram usadas em larga escala. Mas o uso do PowerPoint está tão arraigado no mercado de trabalho que não se pode falar nele e deixar de lado o discurso corporativo do qual faz parte, com sua tendência à hierarquização e à sistematização de conceitos e ideias.
Em algumas empresas, os conteúdos de palestras, relatórios e atas de reunião, entre outros tipos de documentos, passaram a ser elaborados seguindo uma lógica "powerpointiana", cuja relação com o usuário difere de outras ferramentas informáticas de texto por restringir o número de palavras em cada tela.
Tal lógica baseia-se em frases enxutas e conceitos resumidos a palavras-chave, exibidos de forma sequencial e agrupados em tópicos, e parte do pressuposto que o orador dará explicações complementares ao que foi exposto.
Didático
Ao agregar recursos como sons, cores e imagens ao verbo, a ferramenta torna a apresentação mais atraente ao público, o qual pode perder o interesse se lhe for oferecido só o que está na tela, sem nenhuma outra informação adicional. Por isso, muitos profissionais ainda escorregam na hora de montar apresentações em PowerPoint que sejam ágeis e dinâmicas, subestimando a inteligência de seus ouvintes.
- O PowerPoint auxilia na apresentação desde que seja bem utilizado. Muitos profissionais colocam informação em excesso nos slides, e não há sincronia entre o que falam e o que está sendo mostrado na tela. Já outros o utilizam por insegurança, com medo de esquecer do que vão falar, e acabam exagerando na quantidade de informação. O programa deve ser usado para destacar os pontos mais importantes, com pouco texto, e deve facilitar o acompanhamento, já que, além de ouvir, ver a palavra facilita a memorização - afirma Ana Cláudia Moreira, professora de língua portuguesa da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap).
Para Ana Cláudia, alunos e professores estão aos poucos descobrindo as possibilidades oferecidas pelo aplicativo, embora o preço elevado de retroprojetores e telões ainda dificulte a adesão pelas escolas. O programa, afirma a professora, faz com que quem dele se utiliza estimule a própria capacidade de síntese, exercitando concisão e objetividade, e tenha atenção redobrada pelo padrão do idioma, já que o manejo atropelado da língua se torna, durante uma apresentação, algo que "salta aos olhos" - e o menor deslize compromete a imagem do usuário.
Mas a professora da Fiap adverte que a banalização da ferramenta em escolas pode ser nociva ao ensino se desestimular os estudantes a fazerem anotações em aula.
- A gente acaba acostumando mal os alunos. Quando havia só giz e lousa, as crianças escreviam mais. Hoje, os alunos estão acomodados. O professor passa o PowerPoint e depois passa para os alunos o arquivo. Há uma cobrança deles pelo arquivo, e aí deixam de escrever e anotar - diz Ana Cláudia.
Estragos
Uma tecnologia não é benéfica ou nociva em si: terá o efeito que seu usuário pretender, a partir das possibilidades que ela oferece. Segundo Ricardo Macedo, coordenador do curso de publicidade e propaganda da Universidade Positivo, em Curitiba (PR), o uso do PowerPoint em sala de aula vai muito além de uma apresentação ou de tópicos em uma determinada sequência, e aconselha que a ferramenta seja usada com moderação.
- É uma ferramenta que complementa a educação, como um quadro-negro, um retroprojetor ou um livro ao alcance de um bom educador. Mas um professor que baseia suas aulas só nessa ferramenta comete um grave erro. É como comer um só tipo de alimento, por mais que possa ser bom, não nutre por completo - afirma Macedo.
Mau uso
O mau uso do PowerPoint pode causar estragos, garante o jornalista Clive Thompson, do jornal The New York Times. Em 14 de dezembro de 2003, Thompson demonstrou que a Nasa "confiou demais" num relatório confuso e simplista, exibido por projeção de um arquivo escrito em PowerPoint, de prevenção de danos ao ônibus espacial Columbia. A nave tripulada por sete astronautas terminou por se desintegrar em sua reentrada na atmosfera da Terra, em fevereiro daquele ano. Mas a apresentação feita por engenheiros de segurança da Nasa sobre os riscos da aventura teria sido tão enganosamente sintética que omitiu detalhes vitais a uma avaliação precisa do voo de retorno. A comissão que investigou o acidente com a aeronave relatou que era difícil imaginar, a partir daquele documento, que se tratava de uma missão na qual vidas estavam em jogo.
À época, o aplicativo ganhou opositores nos EUA, entre eles Edward Tufte, professor de ciência política e design da informação da Universidade de Yale. No artigo PowerPoint is Evil (PowerPoint é mau), numa edição da revista Wired de 2003, Tufte sugere que o programa de slides pode auxiliar oradores em suas falas, mas que a conveniência de usá-lo pode ser penosa para o conteúdo e, principalmente, para a plateia.
"A apresentação padrão do PowerPoint privilegia a forma sobre o conteúdo, e se trai pela postura mercantil que transforma tudo em índices de venda", escreveu Tufte.
Moderação
Na vida de um executivo, as reuniões podem ser o ponto alto de um projeto, uma oportunidade de tirá-lo do papel e torná-lo realidade. Segundo Ricardo Macedo, as pessoas que participam de uma reunião devem ser conduzidas por uma lógica argumentativa antes de tomarem partido ou não de uma ideia, e é nesse ponto que o PowerPoint pode ajudá-las, caso seja estruturado de maneira convincente.
- É comum em reuniões de empresas uma sessão de PowerPoint. É preciso cuidado, pois a ferramenta pode "enfeitar" mais do que fazer uma boa comunicação. Na comunicação visual, o principal é a comunicação, o visual deve ser apenas um facilitador, mas o que vemos em muitos casos são aberrações cromáticas, imagens estrambóticas, letras esdrúxulas que criam grandes ruídos na mensagem. Quanto mais limpa e objetiva a apresentação, melhor - afirma o coordenador, para quem doses cavalares de efeitos, sons, imagens e outras "frescuras digitais" podem pôr a perder uma boa apresentação.
Macedo cita como exemplo de exagero a simulação de aplausos no final de uma apresentação, o que pode ser sinal de arrogância ou até mesmo um atestado de mau gosto da parte de quem criou a apresentação. Para ele, é aconselhável parcimônia na quantidade de informações veiculadas de modo que as pessoas não se sintam pressionadas a raciocinar depressa.
Desafios
O uso e a democratização do computador, na opinião da professora de linguística do Mackenzie Elisa Guimarães, geraram uma série de novos desafios para os linguistas. A possibilidade oferecida pelo PowerPoint, de relacionar imagens, sons, textos e vídeos, representa um valioso instrumento para o processo de comunicação interpessoal. Porém, para contextualizar considerações de cunho linguístico sobre a ferramenta, Elisa propõe que se pense a ciência como um amplo campo de investigação da linguagem ou, mais especificamente, da interface linguística na computação, da qual o PowerPoint certamente é um dos produtos mais populares.
Segundo ela, os recursos não verbais disponíveis no PowerPoint constroem um texto sincrético, uma fusão de elementos audiovisuais, feitos "muito mais para ver do que para ler". Esses recursos que criam a realidade, como fotos, vídeos e áudios, produzem efeitos de sentido e de aproximação entre o leitor e o objeto. Projetam no texto o que Elisa considera um simulacro [reprodução grosseira] de uma dada situação, pois "jogam o leitor para dentro dessa situação".
Disciplina mental
Para o engenheiro e semioticista Abel Reis, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os recursos e modelos (templates) da ferramenta requerem disciplina mental.
- O PowerPoint não favorece o uso particularmente rico e diversificado da língua. Porém, ao induzir a expressão esquemática de ideias e conceitos, pode trazer o benefício da clareza e da simplicidade - afirma.
Abel Reis defende, em artigos como A Interface Cultural do PowerPoint (www.p.php.uol.com.br/tropico/html), que "como toda abordagem disciplinadora, [o PowerPoint] traz consigo opções de caráter ideológico, ou seja, certos pressupostos que configuram um espaço de possibilidades para a ação e expressão de ideias".
Desse modo, a ferramenta deve ser encarada apenas como um apoio, responsável por facilitar a memorização do que foi dito e servir de guia à audiência. Ela não se presta a longas narrativas ou à apresentação de grandiosos volumes de informação, sendo adequada à construção de documentos ou bases de dados a ser exploradas de forma livre e não linear.
Além disso, cabe ao orador, seja ele um executivo ou um professor, conduzir o raciocínio até chegar à conclusão, deixando detalhes mais apurados, por sua vez, para outros formatos de documentos, como relatórios, projetos ou teses.
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